Arraial d’Ajuda —
Ato segundo, sexto dia e meio.
¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯

... Os dias se arrastaram rapidamente, como se alguém lá de cima fizesse as terras daqui e de aculá girarem mais rápido e as nuvens passarem dispersas, assim como as árvores, os arbustos, a passarada e todas as coisas vivas e não vivas. A única coisa que não vai é a seca. Pois ela é a eterna mácula desta terra e não há chuva ou ajuda que salve essa gente sofrida de seu destino trágico.
Rubento, o cão, uivou por seis dias e cinco noites. E, se algum homem pudesse escutar a língua dos animais, escutaria não palavras ou frases ou versos... Escutaria um sentimento: SAUDADE. Pois eles, os animais, ao contrário de deles, humanos, não precisam de palavras para expressar sentimentos. Expressam por si só e isso lhes basta. Talvez por isso sejam tão ricos, os animais. E eles, humanos, tão pobres... tadinhos...
Quando o sol deu adeus a seu posto de castigo eterno àquela terra sofrida, foi a vez de uma minguante lua emergisse por entre os troncos retorcidos das arvorezinhas e por detrás das serras lá dos confins do Sergipe. Minguava como muita gente, esquecida entre o véu de estrelas. Porém, dizem as bocas antigas no Sertão que é na sexta noite após a morte que a alma do morto trafega para o outro mundo. E, por isso, é o dia perfeito para romaria. Assim, em meio à luz das estrelas e sob a vigia desatenta daquela mesma lua, lamparinas caminhavam aos sons de batuques:
TUM-DUMDUM-DUM!
“Iêêêêêê-rêíôôô...
Iêêêêêê-rêíôôô...
Nossa Senhora salve, salve agora,
Esta alma perdida que implora,
Pois, se este é o castigo da morte,
Tu és a salvação, Senhora...”
TUM-DUMDUM-TU-DUMDUM-DUM!
E não só lamparinas, como velas vinham passando, passavam em meio a rostos desfigurados pela escuridão e pela luz. Rostos castigados de pessoas quase tão moribundas quanto aquele que vinha carregado por seis vultos. Ali, por cima da noite, só se podia ver a blusa branca e o chapéu de palha sob a mão de resto tudo era negridão.
Preto sofrido, pobre Bento, morto bandido pela bala de um Birrento... E caminhavam as pessoas, e as velhas senhoras vinham à frente, com seus lenços nas cabeças para espantar o frio quase que contrastante com o calor que se fazia de dia. Uma delas carregava um terço, outra uma imagem de santa, sendo que santa nada tinha. Porém, hoje, todos os pecados eram esquecidos e defeitos apagados. Diante da morte, somos reduzidos a anônimos. Apenas uma massa sonora...
TUM-DUMDUM-TUDUDUM!
“Aiêêêê...
Leva esta alma contigo,
Pois não há mais perigo,
Eis nosso pedido amigo,
Ao nosso pobre partido...
Carregue consigo sua dor,
E dê-lhe um pouco de perdão,
Eis nosso pedido amigo,
Nesse pobre bordão...”
TUM-DUMDUM!
E batiam as chinelas no chão pobre, assim como eram pobres os versos, as antigas, as pessoas, tudo que os cercavam. Celebravam a partida de Bento, como se fosse motivo de festa. Usavam palavras falsas para descrever sentimentos falsos de um falso luto por alguém que poucos ali conheciam. Lá atrás de todos, a passos solitários, vinha Rubento. Não uivava hoje, sequer rosnava ou latia. Vinha silencioso atrás dos homens, com os olhos cheios de lágrimas e o focinho molhado. Pelo costume e pela tristeza. Vinha ele, o cão, atrás dos homens. Ou seria mais humano o cão que os animais homens?
E assim caminhou a romaria até a pequena capela no pequeno arraial. Lá dentro, postaram-se todos para prestar suas ultimas homenagens ao falecido Bento. Rubento, pobrezinho, ficou para trás. Animais só podem ficar dentro da capela, uma pena!
E quanto ao Bento? Ainda não o enterram foi falta de lugar. Bento, preto, indigente, não tinha sequer um lugar para cair morte, literalmente. Entreolhavam-se as pessoas fingindo tristeza, enquanto as crianças – menos experientes na arte da mentira. – riam e tocavam no corpo fedorento do morto. Algumas senhoras se escondiam pelos cantos e tapavam o nariz em seu asco invisível. O frade, então, benze o homem com água Benta. Pobre Bento, sequer sentia aquela água divina sobre seu corpo. Pena que os vivos não podem sentir seu gosto sacro. E, para os mortos, pouca diferença fazia, já não tinham sentidos mesmo.
Frade: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém... — Adiantou-se. E não disse nada mais. Não há discursos para “ninguéns” como aquele preto velho. E, assim, fechou-se o caixão. Os mesmos seis vultos carregaram o caixão até o fundo da capela. Mas enganam-se aqueles que pensam que Bento, agora pela água Benta, seria enterrado ali. Não, não mesmo. Ordenou-se, e não se sabe quem, seu sepultamento nos fundos de sua humilde venda, numa cova de apenas setenta centímetros – e não sete palmos. – de profundidade.
Eis, então, o fim de mais um nordestino sofrido, nesse mundo bandido chamado Sertão...
Já estou cansanda de dizer oo velho clichê; " O talento mora dentro de você" kkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirahá, mas enfim é isso, fico sem letras para comentar e apreciar a sua forma mágica de escrever!
Fico impressionada como você molda cada palavra, cada sentido!
Pode ser o ônibus, o sertão, o clichê, "pensar menos de te faz mais feliz" , entre o bem e o mal, e "n" figurinhas que estão por vim, Você, ah, sei lá, você!
ee tudo acima rima kkkkkkkkkkk =P
eu nem digo mais que adoro ! é mto bom ler oq vc escreve. =)
ResponderExcluircontinuaaaaa !!